Eliana Maria Nigro Rocha

 e-gagueira.com.br

Neurociências

Epigenética

Diferenças anatômicas cerebrais

Análise Genética da Gagueira

Desenvolvimento cerebral nas crianças que gaguejam

O que se sabe e o que não se sabe sobre a neurobiologia da gagueira

 

 

 

Epigenética

          As pesquisas atuais vêm nos fornecendo informações cada vez mais detalhadas sobre a área da Genética no que se refere à gagueira, mas paralelamente cresce também o conhecimento na área da Epigenética, que a complementa e enriquece nosso entendimento sobre os mistérios dos processos da hereditariedade.

          Se por um lado, a Genética nos informa que uma alta porcentagem dos portadores de gagueira a apresentam devido a uma carga genética, por outro lado, temos a Epigenética alertando-nos para a interferência decisiva do ambiente e até dos cuidados iniciais ao bebê, inclusive em sua vida intrauterina, na ativação ou silenciamento dos genes predisponentes às doenças, entre várias outras questões, como memória, reação ao estresse e tendência à depressão.

          O texto que segue não versa sobre gagueira, mas nos permite estabelecer ricos elos para a antiga questão do peso da hereditariedade e do meio ambiente para o surgimento e manutenção de um distúrbio de fluência.

Epigenetics and the Human Brain: Where Nurture Meets Nature
Isabelle M. Mansuy e Mohanna Safa
Cerebrum, May 2011


Epigenética e o cérebro humano: onde a criação encontra a natureza.
Tradução de Eliana Maria Nigro Rocha: acesse
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Diferenças anatômicas cerebrais

          Em 1928, Travis - um dos primeiros estudiosos em gagueira - apresentou junto com Orton, um modelo neurofisiológico da gagueira, a teoria da "Dominância Cerebral", na qual especulava que a gagueira seria o resultado do conflito entre os dois hemisférios cerebrais no controle das estruturas da fala. Não havia, na época, como comprovar ou refutar suas afirmações e sua teoria foi relegada a segundo plano, sobrepujada por outros achados de peso que foram ocorrendo.

          Com o surgimento dos sofisticados exames de neuroimagem, o cérebro passou a poder ser analisado de modo cada vez mais minucioso e pudemos acompanhar inúmeras descobertas, sempre mais refinadas, respaldando, em parte, algumas das intuições de Travis. No entanto, devido ao grau de invasão dos exames, estes eram sempre realizados com adultos, o que deixava sem resposta uma questão vital: as diferenças cerebrais encontradas nos indivíduos que gaguejam são congênitas ou adquiridas? Elas estão presentes desde a tenra infância ou surgem em decorrência da fala disfluente?

          O artigo de Chang e equipe mostra que, mais uma vez, a resposta não é tão radical. Algumas estruturas já apresentam alterações nas crianças que gaguejam (9 a 12 anos de idade), outras alterações se encontram presentes apenas nos adultos que gaguejam, denotando que existe uma estrutura de base propícia à gagueira e que outras modificações surgem no decorrer da vida.

Brain anatomy differences in childhood stuttering
Soo-Eun Chang, Kirk I. Erickson, Nicoline G. Ambrose, Mark A. Hasegawa-Johnson and Christy L. Ludlow
NeuroImage 39 (2008) 1333-1344

Disponível online: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2731627/pdf/nihms-45511.pdf

Diferenças anatômicas cerebrais na gagueira infantil
Síntese: Eliana Maria Nigro Rocha. Acesse
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Apresentação resumida em Power Point. Acesse aqui



Análise Genética da Gagueira

          Trata-se de um estudo realizado a partir dos dados obtidos com os pais de mais de 10.500 gêmeos holandeses. Diferentemente das demais pesquisas o ponto de partida não foram crianças nas quais já se constatava gagueira, mas uma averiguação na população desta faixa etária em geral. O objetivo foi identificar a hereditariedade da gagueira e da disfluência intensa e avaliar a contribuição relativa dos fatores genéticos e ambientais para a correlação entre essas duas modalidades.

          No questionário enviado aos pais havia seis perguntas relacionadas à fluência da fala das crianças. Eram perguntas diretas sobre se elas repetiam palavras dentro de uma frase, se repetiam partes de palavras, se bloqueavam ou se prolongavam sons... Para cada uma das questões, havia a possibilidade de optar entre cinco níveis de intensidade: nunca, raramente, às vezes, frequentemente e muito frequentemente.
A partir dos dados fornecidos pelos pais, as crianças foram consideradas fluentes ou apresentando disfluência intensa ou uma possível gagueira.

          Concluiu-se que ambos os fenótipos (disfluência intensa e gagueira) são moderadamente hereditários, com hereditariedade estimada em 42% para gagueira e 45% para disfluência intensa. Os fatores ambientais compartilhados também foram significantes, estimados em 44% para gagueira e 32% para a disfluência intensa. A sobreposição entre os dois fenótipos foi substancial.

Bivariate genetic analyses of stuttering and nonfluency in a large sample of 5-year-old twins
Catharina Eugenie Van Beijsterveldt , Susan Felsenfeld, Dorret Irene Boomsma
Journal of Speech, Language, and Hearing Research .Vol. 53 p.609-619 - June 2010

Análise Genética Bivariada de Gagueira e Disfluência em uma grande amostra de gêmeos com cinco anos de idade
Síntese e comentários de Eliana Maria Nigro Rocha: acesse
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Desenvolvimento cerebral nas crianças que gaguejam

 

          Foi publicado na revista científica Developmental Cognitive Neuroscience* (2023) um estudo que representa mais um passo importante para entendermos o que acontece no cérebro da criança que gagueja. Seu título, em português, seria: Trajetórias do desenvolvimento cerebral associadas à persistência e recuperação da gagueira infantil

 

          Pesquisas anteriores já constataram que, nas crianças que gaguejam, havia anomalias na estrutura e no funcionamento da região cerebral relacionada à fala, tanto no que se refere à substância branca como na cinzenta.

 

          Sabemos ainda que algumas crianças se recuperam da gagueira, enquanto outras permanecem gaguejando, ou seja, têm uma gagueira persistente. Conhecer o que ocorre no cérebro de cada um desses grupos de crianças pode nos trazer uma maior clareza sobre a gagueira infantil e nos fornecer novos subsídios para a abordagem terapêutica.

 

          Neste estudo foram analisadas 470 ressonâncias magnéticas de 95 crianças que gaguejam e 95 crianças fluentes entre 3 e 12 anos de idade.  Todas essas crianças foram avaliadas e escaneadas anualmente por até 4 anos.

          É importante destacar que no início do estudo não era possível saber quais crianças pertenciam ao grupo de gagueira permanente ou recuperada e que isso só ficou claro devido ao acompanhamento que ocorreu por até 4 anos. Das 95 crianças que gaguejam, constatou-se que 72 permaneceram gaguejando e 23 se recuperaram da gagueira.

 

          “Crianças que desenvolvem gagueira crônica persistente podem ser aquelas que apresentam, no surgimento da gagueira, diferenças neuroanatômicas, que não são resolvidas à medida que elas crescem e continuam a gaguejar. Mudanças desadaptativas podem ocorrer em áreas cerebrais à medida que a gagueira se torna crônica. Em crianças que se recuperam de gagueira, por outro lado, pode ocorrer a normalização e/ou compensações exitosas para déficits anteriores associados ao início da gagueira.”

 

          Os resultados obtidos fornecem amplo suporte para um possível déficit da rede núcleos da base – tálamo – córtex, que está presente na fase inicial do distúrbio.

 

          A persistência da gagueira foi associada principalmente à diminuição do volume da massa cinzenta e da substância branca ou à uma taxa de crescimento atenuada nas estruturas motoras da fala, indicando uma compensação incompleta.

 

          Já a recuperação da gagueira foi associada principalmente ao aumento da taxa de crescimento do volume da substância branca em várias regiões relacionadas à fala, sugerindo que esses aumentos refletem um processo de normalização ou compensação bem sucedida dos déficits neurais ligados à gagueira.

 

          É provável que existam vários fatores biológicos, cognitivos e ambientais que influenciam o desenvolvimento anômalo das substâncias cinzenta e branca, em crianças que gaguejam, que necessitarão de maiores análises no futuro. Estudos anteriores relacionaram fatores comportamentais e demográficos como potenciais preditores de persistência da gagueira, como precisão do som da fala, níveis de linguagem expressiva/receptiva e frequência da gagueira, o nível de desempenho em repetição de não-palavras tempo transcorrido desde o início e história familiar de gagueira persistente.

 

* Brain developmental trajectories associated with childhood stuttering persistence and recovery

Ho Ming Chow, Emily O. Garnett, Simone P.C. Koenraads, Soo-Eun Chang

Developmental Cognitive Neuroscience, 60 (2023)

 

Ainda quer saber um pouco mais? Acesse

 

 

 

O que se sabe e o que não se sabe sobre a neurobiologia da gagueira

 

          Acompanhar o surgimento de textos que focam a gagueira é uma aventura sem fim.

 

          Este belíssimo artigo de Neef e Chang nos faz ver quanto já caminhamos no entendimento da gagueira, quanto já foi desvendado, que enorme diferença existe em relação aos hesitantes achados anteriores.

 

          Mas, sempre há mais, sempre surgem novas perguntas, sempre precisamos de melhores respostas.

 

     Acesse um breve resumo lembrando que o original está disponível gratuitamente na internet: https://doi.org/10.1371/journal.pbio.3002492