Speech motor planning and execution deficits in early childhood stuttering
Bridget Walsh, Kathleen Marie Mettel e Anne Smith
Walsh et al. Journal of Neurodevelopmental Disorders (2015) 7:27
Tradução e síntese de Eliana Maria Nigro Rocha CRFa 2 - 2825
Em 2012 e 2013 Smith e colaboradores publicaram dois artigos sobre o controle motor da articulação da fala em crianças de idade pré-escolar, focando a consistência da coordenação articulatória. As crianças que gaguejam apresentaram uma variabilidade maior nessa coordenação quando comparadas com as crianças que não gaguejam, revelando um atraso potencial em seu desenvolvimento do controle motor da fala.
No estudo atual, o objetivo foi de esmiuçar esse achado para caracterizar de modo mais preciso a dinâmica motora da fala das crianças que gaguejam.
Bases Neurais da Gagueira
Já temos quase duas décadas de pesquisa com uso de neuroimagem que evidenciaram, nos adultos que gaguejam, sutis diferenças estruturais e funcionais nas redes neurais que dão suporte à produção da fala. Nos últimos anos, têm havido alguns estudos de neuroimagem estrutural que revelaram diferenças difusas e heterogêneas nas substâncias branca e cinzenta nos cérebros das crianças que gaguejam (em comparação com crianças que não gaguejam) em regiões neurais relacionadas à produção da fala fluente. Os achados nas crianças que gaguejam, no entanto, não se equiparam aos perfis neuroanatômicos dos adultos que gaguejam.
Características do controle motor da fala em crianças tipicamente fluentes
O padrão típico do desenvolvimento motor da fala é demorado. A dinâmica motora da fala semelhante à do adulto não surge até a adolescência tardia. As crianças tipicamente fluentes utilizam uma estratégia imatura de produção da fala, caracterizada por grandes deslocamentos articulatórios em relação às suas estruturas orofaciais menores, em velocidades mais baixas e durações mais longas em comparação aos adultos. A hipótese das autoras é de que as crianças empregam essa estratégia para melhorar os feedbacks auditivo e somatossensorial, sendo que ambos são cruciais para o desenvolvimento e manutenção de programas motores da fala estável.
Embora possamos conseguir aberturas e fechamentos orais dos articuladores através de várias configurações de movimento diferentes, quando os adultos são solicitados a repetir uma frase, eles mostram padrões articulatórios altamente consistentes, refletindo sinergias musculares subjacentes estáveis que reduzem efetivamente os graus de liberdade de movimento associados a essa tarefa. Já os padrões articulatórios das crianças pequenas são altamente variáveis em cada tentativa. A demora usual do desenvolvimento motor oral provavelmente reflete uma adaptação do sistema motor da fala às dramáticas mudanças que ocorrem em vários níveis, desde o crescimento das estruturas orofaciais até a maturação das redes neurais que dão suporte às funções da linguagem e da fala.
No presente estudo, os aspectos fundamentais do controle motor da fala (ou seja, a duração do movimento, sua amplitude e velocidade), bem como uma medida dinâmica que capta a consistência global da coordenação articulatória foram usados para verificar se as crianças que gaguejam, em um período próximo ao início da gagueira, operam com um sistema de controle motor da fala menos maduro em comparação com seus pares que não gaguejam.
MÉTODO
Participantes
Participaram do estudo 58 crianças que gaguejam (44 meninos, 14 meninas) e 43 crianças que não gaguejam (29 meninos, 14 meninas). Todos os participantes tinham entre 4; 0 (anos; meses) e 5; 11.
Diagnóstico da gagueira
Os participantes foram diagnosticados como crianças que gaguejam utilizando os três critérios estabelecidos por Ambrose e Yairi (1999) que incluem o diagnóstico por um fonoaudiólogo, avaliações clínicas e parentais da gravidade e análises de disfluências em amostras de 750-1000 palavras de fala espontânea. A idade média de início da gagueira foi de 35 meses (DP = 9 meses) e a duração da gagueira (ou seja, o tempo desde o início) foi de 22 meses (DP = 9 meses) de acordo com o relato dos pais. A severidade da gagueira das crianças que gaguejavam variou de leve a grave: 54% era leve, 40% moderada e 6% grave. As crianças que gaguejavam participaram do estudo independentemente de terem recebido ou estarem recebendo terapia fonoaudiológica. Foi verificado que aproximadamente 39% dos meninos que gaguejam (17/44) e 36% das meninas que gaguejam (5/14) tinham recebido terapia da fala.
Procedimentos
Os participantes falaram em voz alta duas frases de estrutura simples: “Buy Bobby a puppy” e “Mommy bakes potpies”. Em seguida, foram registradas sucessivas repetições da frase “Mommy bakes potpies”.
Nas análises foram utilizadas apenas as amostras precisas e fluentes de cada frase. Pequenos diodos emissores de luz infravermelha foram aderidos aos lábios dos participantes e os movimentos tridimensionais foram gravados por câmeras para posterior análise.
RESULTADOS
Medições dos movimentos isolados: deslocamento, velocidade e duração
O grupo de crianças que gaguejam e de crianças que não gaguejam tiveram produções semelhantes nesses três aspectos e a diferença entre os gêneros não foi significativa.
Medições em frases: deslocamento, velocidade, duração e variabilidade de coordenação
Deslocamento e velocidade dinâmicas
A medida da extensão de deslocamento e velocidades dinâmicas não revelou diferenças significantes tanto em relação à gagueira como ao gênero. No entanto, o gênero em interação com gagueira foi significativo. .
Meninos que gaguejam tinham extensão de deslocamento e de velocidade dinâmicas significativamente reduzida em comparação com meninos que não gaguejam.
Duração
Não revelou diferenças significativas entre os grupos, nem quanto à gagueira, nem quanto ao gênero. A interação de gênero e gagueira também não foi significativa para esta medida.
Índice de abertura labial
Não revelou diferenças significativas para o grupo em termos de gagueira, mas houve um efeito significativo do gênero. Os meninos apresentaram maiores índices de abertura labial (o que denota maior variabilidade) do que as meninas. Já os meninos que gaguejavam apresentaram índices de abertura labial significativamente mais elevados em comparação com todos os outros grupos de crianças, o que indica que apresentam um alto grau de variabilidade na coordenação.
Relações entre as medidas
Foi testado se havia diferenças no desempenho nessas três variáveis entre as crianças que gaguejam que receberam e as que não receberam terapia de gagueira. Nenhum destes resultados foi significativo.
DISCUSSÃO
As autoras examinaram as características intrínsecas dos processos de controle motor de fala durante a produção de fala fluente em crianças que gaguejam – em período próximo ao surgimento da gagueira - para avaliar a hipótese de que crianças diagnosticadas recentemente com gagueira estariam em defasagem em relação aos seus pares em aspectos fundamentais do desenvolvimento motor da fala. Os resultados obtidos através de um número relativamente grande de crianças que gaguejam mostraram que muitos dos meninos que gaguejam, mas não as meninas, produziam fala fluente com reduzidas amplitudes e velocidades dos movimentos articulatórios, como evidenciado por uma variação geral menor da amplitude e da velocidade dinâmicas na produção de frases. Não houve diferenças entre os grupos em termos da duração total tanto nos movimentos articulatórios individuais como nas produções de frases, sugerindo que os resultados obtidos não são devidos a diferenças de velocidade de fala. Descobriram que os meninos, especialmente os meninos que gaguejam, utilizaram combinações mais variadas de acoplamento dos articuladores para obter a abertura dinâmica dos lábios em comparação com as meninas, o que sugere que os meninos que apresentam gagueira têm padrões de fala coordenativa menos maduros. Este estudo é o primeiro a demonstrar diferenças relacionadas ao gênero nos processos de controle motor de fala para os meninos pré-escolares que gaguejam em comparação com as meninas que gaguejam e, portanto, o primeiro a fornecer evidências importantes para os índices de recuperação final drasticamente diferentes entre os meninos e meninas pré-escolares que gaguejam.
Deslocamento, velocidade e duração dos movimentos articulatórios
As autoras anteciparam que crianças que gaguejam iriam produzir movimentos articulatórios em velocidades reduzidas; no entanto, não previram que bem mais da metade dos meninos que gaguejam também produzem deslocamentos articulatórios menores em comparação com os outros participantes do estudo.
Elas não encontraram efeito significativo da terapia da fala em qualquer das medidas de produção de fala.
Os resultados implicam que, em um quadro inicial de gagueira, temos padrões imaturos dos impulsos nervosos para os músculos, mesmo durante a produção da fala fluente. É plausível que diferenças no desenvolvimento das redes neurais da fala em crianças que gaguejam, como revelado por investigações recentes de neuroimagem, afetem a formulação e transmissão eficientes desses planos motores da fala para a periferia.
A maioria dos pré-escolares em todos os grupos produziram fala em velocidade mais lenta (indicada por durações maiores) em comparação com crianças mais velhas e adultos conforme dados de investigações anteriores. A duração média das frases das crianças no presente estudo (M = 1,24 s) é semelhante à duração dessas mesmas frases emitidas por pré-escolares em estudo publicado anteriormente (M = 1,35 s) e são aproximadamente 27% maiores, em média, do que as produções dos adultos. (M = 0,91 s)
As autoras sugerem que a velocidade mais lenta de fala permite um tempo adicional para a formulação de linguagem e planejamento motor da fala e também pode indicar uma maior dependência de processos de controle de feedback mais lentos, menos eficientes. É interessante e relevante notar que os meninos que gaguejavam tinham duração de frases comparáveis aos outros participantes, apesar de ter, em média, velocidades operacionais reduzidas. A temporalização precisa dos rápidos movimentos sequenciais dos vários articuladores é fundamental para a produção da fala inteligível e variar as pistas temporais do sinal acústico da fala prejudica significativamente a percepção da fala. Talvez realizar movimentos em velocidades mais baixas, embora em distâncias menores, tenha permitido que os meninos que gaguejavam preservassem a temporalização relativa dos movimentos da fala dentro e através das frases e, assim, otimizar a inteligibilidade.
Os resultados atuais sugerem que as medidas dinâmicas refletem melhor as características operacionais globais do sistema motor da fala que não são necessariamente observáveis no movimento isolado.
Coordenação articulatória
Com a maturação durante os anos da infância, observa-se que os padrões altamente variados de produção diminuem conforme o falante passa, devido ao seu desenvolvimento, a um padrão articulatório ou de sinergia de movimentos mais estável, maduro.
No presente estudo, todos os pré-escolares produziram as frases de maneira perceptivelmente precisa e fluente; no entanto, verificou-se que os meninos, particularmente os meninos que gaguejam, utilizaram combinações mais variáveis de conexão articulatória mesmo para produção de frases simples. Este achado sugere um atraso no desenvolvimento do controle neural e da coordenação dos movimentos articulatórios que é mais pronunciada nos meninos que gaguejam.
Aos 7 anos, o efeito do gênero não foi significativo nem foi significativo nas comparações com os grupos etários mais velhos, sugerindo que os meninos superaram seu atraso inicial na coordenação motora da fala.
Está bem estabelecido que mais homens gaguejam (tanto em idade escolar como adultos) do que as mulheres. No início da gagueira (a média de idade de início é de aproximadamente 34 meses), a proporção entre homens e mulheres é estimada em cerca de 1,5: 1. Essa proporção aumenta para 3: 1 nas crianças em idade escolar e é estimada em 4: 1 a 6: 1 para adultos. Claramente, muito mais meninas se recuperam da gagueira.
Com relação à gagueira, as diferenças difusas dentro da rede neural da fala poderiam induzir instabilidades na formulação e implementação dos programas motores da fala resultando, por implicação, em conexões articulatórias mais variáveis. É importante notar que a maioria das meninas no grupo que gagueja, ao contrário dos meninos, exibiu características articulatórias que estavam em pé de igualdade com seus pares. Parece razoável sugerir que a maturação da rede central de controle motor da fala acontecendo mais cedo nas meninas que gaguejam em comparação com os meninos (refletido no seu padrão articulatório mais consistente e deslocamentos e velocidade operando em faixas adequadas à idade) é um fator significante na maior probabilidade das meninas para se recuperarem de gagueira. Ter um sistema motor da fala mais estável pode fornecer às meninas uma vantagem enquanto as complexas redes do sistema nervoso central emergente gerenciam as tão diversas demandas motoras, cognitivas, linguísticas e emocionais que interagem coletivamente durante a fala. Em estudos futuros, será importante determinar se os meninos e meninas pré-escolares que gaguejam com índices de variabilidade de coordenação relativamente elevada são mais propensos a persistir na gagueira.
CONCLUSÕES
Os novos achados deste estudo contribuem para conhecer melhor o a gagueira no período próximo ao seu início. As medidas das características articulatórias sugerem que o desempenho motor da fala, especialmente em meninos que estão gaguejando, se desvia de seus pares que gaguejam ou não, mesmo na produção de frases simples. Questões críticas permanecem, no entanto:
- se as diferenças motoras da fala que foram observadas são marcadores precoces de gagueira persistente ou não
- em relação ao acompanhamento do desenvolvimento motor da fala nas crianças que demonstraram um atraso nessa área.