Eliana Maria Nigro Rocha
Resumo da palestra proferida no Conselho Regional de Fonoaudiologia em setembro de 2005
A gagueira é uma alteração no ritmo da fala que, apesar de registros muito antigos já se referirem à sua existência, persiste na atualidade, incidindo em 1% da população e constituindo uma das mais complexas áreas de atuação do fonoaudiólogo. Muito conhecimento foi adquirido a respeito desse distúrbio no decorrer dos anos, mas ainda existem questões sem resposta, o que dificulta o trabalho do fonoaudiólogo clínico.
Os pesquisadores nos fornecem muitas informações sobre gagueira, sob diferentes enfoques: genético, neurológico, audiológico, corporal, linguístico, emocional, social e psicomotor. Temos uma série de livros publicados na área, muitos sites, algumas associações e grupos de discussão sobre o tema.
Cabe ao fonoaudiólogo clínico tomar ciência desses trabalhos e utilizá-los de modo proveitoso para seu paciente, o que não constitui tarefa simples. É preciso ter em mente que os objetivos próprios à pesquisa tradicional científica, seus métodos, sua especificidade, sua busca de generalizações, fazem contraponto ao trabalho clínico que tem por finalidade a terapêutica de um indivíduo único, com todas suas peculiaridades. Por outro lado, relatos de caso, depoimentos pessoais, formulações baseadas em limitadas vivências na área, apesar de enriquecerem muito nossa visão, não podem ser tomadas como verdades universais. Há que se ter dedicação, estudo, análise e crítica, para selecionar as informações, reformular os conceitos e personalizá-los.
Inicialmente, é preciso considerar que uma queixa e/ou constatação de ruptura de fluência precisa ser analisada cuidadosamente para determinar sua abordagem, uma vez que temos disfluências transitórias e persistentes, gagueira do desenvolvimento, gagueira do desenvolvimento que persiste, taquifemia, gagueira psicogênica e neurogênica. É importante ainda estarmos atentos a outras possíveis alterações concomitantes de fala e/ou linguagem.
É preciso também considerar as peculiaridades relacionadas ao local de atendimento (consultório ou ambulatório), à faixa etária do paciente e à modalidade de atendimento (individual ou grupal), que terão interferência direta na escolha da abordagem terapêutica.
Desde a entrevista inicial com o paciente (e com os seus pais, no caso de crianças) já é necessário buscar pelo conhecimento amplo da sua individualidade, de sua queixa e dos possíveis fatores que perturbam sua comunicação. A avaliação, que entendo como uma constante que ocorre durante todo o processo terapêutico, tem como finalidade adequar cada vez mais a interação terapeuta-paciente, de modo a facilitar o percurso em direção a uma comunicação mais eficaz.
Com finalidade didática e para facilidade de análise, sintetizo, dizendo que norteio a abordagem terapêutica da criança e do adolescente baseada no enfoque psicomotor, psicolinguístico, da fluência e de interações com pais e professores. O intuito é abordar, de modo interligado, essas diversas vertentes da comunicação e acompanhar sua evolução nos demais ambientes que não o clínico.
Para o adulto, considero mais prático que a denominação seja feita em termos de enfoque objetivo e subjetivo, compreendendo os mesmos aspectos - psicomotor, psicolinguístico e fluência - abordados em suas manifestações externas e em suas vivências internas, buscando a coesão do indivíduo no momento da comunicação.
As metas terapêuticas também são específicas a cada paciente: trata-se de um delicado equilíbrio entre ampliar a possibilidade de superar a dificuldade e a constatação da necessidade de aceitá-la. Buscamos sempre a fluência, mas em alguns casos teremos que focar nosso objetivo na diminuição da ocorrência das rupturas de fala ou mesmo na redução da interferência da dificuldade na vida do indivíduo. Assim, alta pode ser sinônimo de fluência espontânea, de fluência controlada ou de gagueira aceitável [1]. Para o paciente adulto, alta significa conhecimento de suas dificuldades, possibilidade de lidar com elas, responsabilização por sua fala e sua comunicação, desejo de seguir sozinho e segurança em suas possibilidades.
A manutenção da fluência obtida é mais um fator a ser trabalhado, tanto pelo paciente em sua vida diária, como em encontros esporádicos com o fonoaudiólogo.
Temos acompanhado na mídia a divulgação de críticas direcionadas aos atendimentos não especializados em gagueira e que trazem embutida a depreciação do trabalho fonoaudiólogico e o recrudescimento da infeliz consideração de que gagueira é algo hilariante, o que fragiliza a pessoa que gagueja, adicionando maiores dificuldades à sua comunicação.
Só através de nossos esforços conjuntos poderemos compreender melhor a questão da gagueira, reformular a visão social deturpada que existe sobre ela e atuar de maneira preventiva eficaz, fortalecendo cada vez mais a visão da Fonoaudiologia como uma área séria, competente e cientificamente embasada. Será um bom começo excluir de vez do arsenal de conhecimentos a idéia ultrapassada de que gagueira na infância é algo a ser postergado em seu atendimento. A análise inicial cuidadosa e, caso necessário, o acompanhamento fonoaudiológico especializado poderá facilitar a comunicação dessa parcela de nossa população que é perturbada pelas rupturas na fala.
[1] GUITAR, Barry. Stuttering: an integrated approach to its nature and treatment - Baltimore: Williams & Wilkins, 1998. 2nd edition.
Obs: foram feitas algumas pequenas correções neste texto, em relação ao original publicado no site citado acima.
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