http://www.mnsu.edu/comdis/kuster/vanriper/vrmessage.html - Judy Kuster
Tradução livre: Eliana Maria Nigro Rocha
O texto a seguir apareceu pela primeira vez em Letting Go, de abril de 1991, volume 11, número 4. Letting Go é o periódico do National Stuttering Project (agora National Stuttering Association). Este artigo de capa é reproduzido a seguir, com a permissão de John Van Riper, filho de Charles Van Riper.
Caros Amigos:
Tendo recentemente sofrido uma insuficiência cardíaca congestiva, meu médico sugeriu que eu colocasse minhas coisas em ordem, uma vez que os meus dias estão contados. Eu tenho feito isso.
No entanto, uma coisa ainda não está em ordem e talvez este periódico que eu gostei tanto de ler durante todos esses anos possa cuidar disso. Antes que a morte me leve, eu quero muito compartilhar com outros gagos o que eu aprendi sobre esse distúrbio em meus 85 anos.
Em minha vida profissional trabalhei com milhares de gagos, fiz um monte de pesquisa e publiquei vários livros e também muitos artigos sobre o assunto. Mais importante que isso: eu gaguejei todos esses anos e tentei quase todos os tipos de terapia que vão desde controles rítmicos e relaxamento e fala lenta e exercícios de respiração até psicanálise e hipnose. Todos esses métodos não conseguiram me ajudar a alcançar mais do que alguma fluência temporária, seguida de recaída. No entanto, eu finalmente consegui tornar-me muito fluente, embora continuasse a gaguejar.
A ideia básica que transformou minha vida em uma vida bem sucedida e feliz surgiu em mim enquanto eu pedia carona em meu caminho para casa a partir de Rhinelander, no estado de Wisconsin, Estados Unidos onde eu havia passado um mês como contratado em uma fazenda, fingindo ser um surdo-mudo, porque minha gagueira era tão grave e grotesca que eu não conseguia obter qualquer outro emprego. Esperava assim, ser capaz de viver sem falar, mas depois de um mês eu não podia suportar aquilo por mais tempo e deixei o emprego para voltar para casa, onde eu sentia que não seria bem-vindo.
Após caminhar vários quilômetros sentei-me embaixo de uma árvore para descansar, perto de um campo onde um homem estava arando. Logo um homem velho em um Ford modelo-T parou ao meu lado e saiu para falar com o fazendeiro. Notei que ele tinha uma maneira estranha de falar, com muitas pequenas hesitações, mas não achei que fosse uma gagueira. Quando eles terminaram a conversa, eu abordei o velho com o gesto de polegar para pedir carona e ele me disse para entrar no carro. Então, é claro, veio a pergunta inevitável: "Qual é seu nome, meu filho, e onde você está indo?" Ah, como eu gaguejei, quando tentei lhe responder, com voz ofegante, contorções faciais e contrações de corpo! E então o velho desgraçado começou a rir escandalosamente. Eu poderia tê-lo matado! Vendo a minha raiva, ele disse: "Acalme-se, meu filho. Acalme-se. Eu não estou rindo de sua gagueira. Tenho sido um gago toda a minha vida e eu costumava pular e fazer caretas, como você faz, mas agora eu estou velho e cansado demais para lutar contra mim mesmo, assim eu apenas deixo as palavras escorrerem. E elas escorrem!”
Bem, isso bateu fundo em mim. Toda a minha vida eu havia tentado falar sem gagueira e evitá-la e escondê-la sempre que eu podia e tudo o que tinha acontecido era que eu só piorava. Aquele velho estava me dizendo é que o que eu deveria ter buscado era uma maneira de gaguejar que fosse tolerável tanto para os outros como para mim, que era possível gaguejar de um modo tão fácil e sem esforço que a gagueira deixaria de ter importância, enfim, que eu poderia gaguejar e mesmo assim ser fluente. A compreensão de que eu deveria aprender a gaguejar me atingiu como um raio. Eu não iria esperar até que eu estivesse muito velho e cansado demais para ter que concluir que não aguentava mais gaguejar desse jeito tão complicado.
Não foi fácil desaprender toda a minha luta e evitação, mas cada vez que eu gaguejava eu tinha uma oportunidade de modificar a gagueira para uma forma mais fluente e por isso eu persisti. A princípio, os ganhos eram pequenos e as falhas muitas, mas sucessos - mesmo sucessos parciais - me encorajaram. Além disso, meus medos e constrangimentos se dissolveram. A maioria dos meus ouvintes nem sequer percebe que eu gaguejo quando eu o faço e eu provavelmente gaguejo tanto agora como sempre fiz, mas isso já não é mais uma coisa importante para mim.
Bem, essa é a mensagem que eu gostaria de passar para meus amigos da língua enrolada. Apenas aceitar a gagueira não é suficiente; falar à vontade não é suficiente.
Aprenda a gaguejar!
Charles Van Riper